A riqueza do devir
Na eterna luta entre a incompletude e a totalidade reside em nós um paradoxo importante: é um impulso vital de vir-a-ser que embala nossa personalidade e pode ser remontado às mais antigas épocas e mais longas distâncias...
Ainda que nossa busca por ser completo nos mova - como se fosse possível uma só meta e um só objetivo agora e para sempre - , nossas melhores perspectivas residem na própria pluralidade de nossas experiências e de nossos desejos. Na pluralidade ampliamos o si mesmo e podemos transformar nosso entorno.
Estejamos atentos, por tanto, às experiências que vivemos neste terreno: sustentar nossa incompletude fortalece o pulsar da vida que habita em nós. Apesar de parecer contraditório a princípio, tanto a incompletude, com suas diferenças, complexidades, quanto o desejo de alcançar a totalidade, a completude, são legítimos.
É na convivência com as diferenças que nos habitam e que nos rodeiam que as melhores perspectivas de devir e as maiores riquezas podem ser alcançadas em vida. Nosso caminho será tão mais interessante e intenso quanto melhor convivermos com suas múltiplas singularidades e seu misterioso modo único de ser tecido.
Manuel de Barros, ilustra bem esse paradoxo fundamental, que traduzo aqui através de seu poema:
"Retrato do artista quando coisa"
A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. Manoel de Barros